A idolatria é algo muito mais profundo do que o ato de alguém cortar uma madeira, queimar a metade para se aquecer, com a outra metade esculpir um tipo de deus e adorá-lo (Isaías 44:13-17). A idolatria, do ponto de vista bíblico, é uma disposição do coração de depositar confiadamente e/ou desejar mais intensamente tudo aquilo que vislumbre para si a felicidade que não seja no Criador. Precisamos, portanto, do auxílio do Espírito Santo para praticarmos uma das disciplinas espirituais importantíssimas para a vida cristã - o autoexame - a fim de não cairmos no engano da idolatria.
Conceito de Idolatria
No capítulo 44 do livro de Isaías, é descrito sobre um escultor que faz todo o trabalho necessário para adquirir a madeira e se beneficiar da criação, como se aquecer, assar alimentos, etc. Após ter seus desejos saciados, o homem esculpe uma imagem e faz desta um deus. O profeta o descreve como estúpido e ignorante (v.18), como alguém que é incapaz de compreender a verdade, pois sua mente é fechada. Ele se pergunta se o homem não faz tais questionamentos: "Queimei metade da madeira para me aquecer e para assar o pão e a carne; como é possível o restante ser um deus? Vou me curvar para adorar um pedaço de madeira?" (v.19, NVT).
A chave para entendermos o conceito de idolatria e fazermos o link com o autoexame se encaixa no verso 20. Repare nas palavras do profeta:
Tal pessoa se alimenta de cinzas e engana a si mesma,
confia em algo que em nada pode ajudá-la.
E, no entanto, não é capaz de perguntar:
“Será que este ídolo que tenho em mãos não é uma mentira?”
Segundo James K. A. Smith, a idolatria "Não é um problema apenas por ser uma adoração "falsa", no registro da verdade ou simplesmente uma transgressão de um mandamento (embora seja ambos)." Ele diz que o problema "é o fato de ser um exercício de futilidade, uma tendência que termina em profunda insatisfação e infelicidade. Poderíamos dizer que ela não "funciona" - e é por isso que cria corações inquietos" (Na Estrada com Agostinho, p.99). O fim da idolatria é a frustração, pois a felicidade que buscamos em qualquer outra coisa que não seja Deus, não tem a capacidade de suprir nossas necessidades. Santo Agostinho diz que um amor desordenado é como se apaixonar pelo barco e não pelo destino (SMITH, p.99) . Nos apegamos mais ao que pode nos levar ao Criador do que ao Criador. A idolatria gera expectativas infinitas e imortais em criações que são temporárias. E por isso, a idolatria é mais que meros atos idólatras, é uma disposição de um coração que tenta se saciar com o finito; com aquilo que é passageiro. Sua própria família pode ser transformada em um altar idólatra se você acreditar que apenas ela lhe fará feliz. Mas o que deve-se causar em nós enquanto seres que amam suas famílias é glorificar a Deus e nos aproximar dele. Uma carreira de sucesso não é algo pecaminoso, contudo ela se torna um altar idólatra quando o fim último de nossas vidas seja estar com esta carreira consolidada acima de glorificar a Deus e nos aproximar dele através de nossa profissão. Smith diz que "trocamos a esperança da imortalidade por uma chance de se tornar conhecido" (p.98). E isto se encaixa muito bem quando usamos nossas redes sociais para divulgar assuntos honrosos como a Palavra de Deus mas a motivação são as redes sociais em si mesmas e não a Palavra de Deus.
O Autoexame
Identificamos que a idolatria é um problema mais profundo que simplesmente obter imagens ou se ajoelhar diante de uma madeira. É um problema de um coração com a inclinação equivocada. Confunde os meios que Deus usa para glorificá-lo como o fim em si mesmo. Portanto, o problema da idolatria tem a ver com um coração que engana; e a Queda gerou esse coração. Parafraseando o filósofo e pastor batista Jonas Madureira "a Queda não impediu o homem de desejar algo, apenas direcionou o desejo para o alvo errado.". Desta forma, percebe-se que desde o Éden, a humanidade deseja alguma coisa, e com a Queda, o coração passou a desejar tudo menos Deus.
Esses desejos são diversos, e o autoexame nos ajuda a identificá-los. Os cristãos tem como fundamento do autoexame a Onisciência de Deus. Pois o Senhor é o que interpreta o coração do homem de maneira perfeita e completa. Por Ele ser Onisciente, tem o diagnóstico do coração humano, e portanto, a prática do autoexame só é possível confiando na Onisciência de Deus. Esta prática era um costume entre os puritanos, que segundo J. I. Packer “cultivavam a humildade e autossuspeita como atitudes constantes, examinando-se regularmente, em busca de eventuais pontos ocultos e males internos furtivos.” (2016, p. 30). Dessa forma, sendo Deus capaz de analisar e ter a correta interpretação do interior humano, apenas ele capacita a consciência humana de se atentar para algum engano do coração. Uma citação muito interessante sobre a Onisciência de Deus e como devemos glorificá-lo por este atributo é: “a consideração da onisciência de Deus previne muitos pecados. O olhar dos homens nos refreia de pecar, e não o faria muito mais os olhos de Deus?”. (WATSON, Thomas apud VICENTE, 2020, p. 14).
Conclusão
Entendemos que o autoexame é um passo fundamental para procurar a raiz do problema que está no coração humano. Por fim, quero deixar versículos extremamente importantes para a meditação do autoexame: “A Morte e a Destruição nada escondem do Senhor, quanto mais o coração humano!” (Pv 15:11, NVT). E a oração de Davi, que diz: “Examina-me, ó Deus, e conhece meu coração; prova-me e vê meus pensamentos. Mostra-me se há em mim algo que te ofende e conduze-me pelo caminho eterno.” (Salmos 139:23-24, NVT).
Referências Bibliográficas
Bíblia Sagrada: Nova Versão Transformadora / - 1. ed - São Paulo: Mundo Cristão, 2016;
MADUREIRA, Jonas. Inteligencia Humilhada. São Paulo: Vida Nova, 2017;
PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São Paulo: Fiel, 2016;
SMITH, James K. A. Na Estrada com Agostinho: Uma espiritualidade do mundo real para corações inquietos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020;
VICENTE, Christopher. A prática bíblico-puritana do autoexame. Natal: Nadere Reformatie Publicações, 2019.