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Dietrich Bonhoeffer: pregação custosa

Bonhoeffer (1906-1945) foi um mártir cristão na Alemanha Nazista e um dos principais líderes da Igreja Confessante, que visava resistir ao Terceiro Reich e principalmente evitar sua influência dentro da Igreja.

1. Contexto de sua vida

Dietrich Bonhoeffer nasceu na Breslávia, cidade da Polônia, filho de Karl Bonhoeffer, professor de psiquiatria e neurologia na Universidade de Berlim, e Paula Von Hase, descendente da nobreza prussiana. Desta forma, Bonhoeffer vinha de uma família bem estruturada financeiramente. Era o sexto filho de oito no total, e tinha uma irmã gêmea chamada Sabine. Seu desejo de ser um teólogo e pastor desde a adolescência não teve resistência da família, contudo foi incomum para o costume, pois sua família vinha de uma linhagem de inúmeras profissões que julga-se ser melhor para seguir carreira.

Aos 21 anos já havia concluído o doutorado, publicando a tese "Sanctorum Communio" [Comunhão dos Santos], e aos 24 foi habilitado para o ensino universitário. Desde cedo, tinha uma carreira promissora e muito segura. Porém, em 1933 chegou ao poder na Alemanha, Adolf Hittler.


1.1 Igreja Confessante

Quando o Partido Nazista ganhou sua força, o jovem teólogo deixou a Universidade para não ter que colaborar com o novo governo. Na Igreja Luterana, onde já era pastor desde 1931, houve uma ala que assimilava-se com a ideologia nazista, e portanto, houve a discussão de introduzir em uma cláusula na Igreja que excluía do ministério todos os pastores que tinham origem judaica.

Após esses acontecimentos, surgiu o movimento de oposição que levou a formação da Igreja Confessante em 1934, que estavam de frente Bonhoeffer, Karl Barth e Martin Niemoller. Em Finkenwalde, na costa do Báltico, Bonhoeffer assumiu o controle de um seminário ilegal e subterrâneo, que visava treinar novos pastores e teólogos para se opor ao Regime Nazista. Passaram por este seminários mais de cem alunos, antes de ser fechado pela Gestapo em 1937. Porém, o trabalho continuou na clandestinidade nas paróquias da Igreja Confessante em uma área remota da Pomerânia Oriental.

Em 1939, em busca de não ser convocado para o Exército Alemão, Bonhoeffer aceitou um convite para ser conferencista nos EUA, mas ainda antes da guerra voltou porque não queria abdicar de sua responsabilidade com a Igreja Confessante.“Não terei nenhum direito de participar da reconstrução da vida cristã depois da guerra na Alemanha se eu não compartilhar as provações deste tempo com o meu povo”, disse ele. Quando voltou, foi proibido de pregar em público. Sua dedicação primária foi, então, a escrita, onde escreveu sua principal obra contra a ideologia alemã, Ethics [Ética].


1.2 Resistência direta contra o Nazismo

Ao final dos anos 1940, Bonhoeffer foi recrutado por seu cunhado para a Abwehr (que era um grupo de resistência dentro do Exército Alemão) visando a derrubada de Hitler. Dietrich Bonhoeffer tinha como função visitar contatos ecumênicos em países neutros na guerra dando informações para os inimigos sobre o desenvolvimento de uma resistência interna, buscando apoio dos governos Aliados (Inglaterra, URSS, França). Porém, em abril de 1943, ele foi preso. Neste período, trocou correspondências com o seu futuro biógrafo, Eberhard Bethge, que dali surgiu algumas ideias, pois seus 18 meses na prisão o deixou ocupado com a escrita.

Em 20 de julho de 1944, ocorreu a fracassada tentativa de assassinato de Hitler pelo grupo de resistência que Bonhoeffer participava. Após esse complô, ele foi transferido para a prisão da Gestapo, e depois para o campo de concentração de Buchenwald no início de 1945. Quando foi transportado para o Sul com um grupo de prisioneiros que os nazistas buscavam manter fora do alcance dos Aliados, pois já estavam para vencer a guerra, Dietrich Bonhoeffer, no dia 9 de abril de 1945, quase um mês para a rendição alemã, foi enforcado pela Gestapo em Flossenburg.

Keith W. Clements faz um excelente comentário sobre o sentimento dos pregadores genuinamente cristãos neste período do pavor nazista:


Bonhoeffer viveu em tempos especialmente difíceis para a pregação cristã. Com o amplo colapso das suposições sobre a "civilização cristã" após a Primeira Guerra Mundial, os pregadores tinham que decidir se o evangelho era uma mensagem da cultura e religião do mundo ocidental ou, como Karl Barth, uma mensagem de julgamento e graça para esse mundo. Em segundo lugar, após a revolução de Hitler, a questão era se o evangelho seria moldado de acordo com o ethos nazista de nacionalismo, racismo, militarismo e pseudocristianismo dos "cristãos alemães", ou ser proclamado como o caminho de graça custosa e discipulado obediente. (2020, p.371)


E esta outra fala, define a Igreja quando passa por períodos que grupos tentam cooptar o evangelho para benefício de uma certa cultura: "Os cristãos prefeririam formar uma Igreja que desfrutasse dos poderes e privilégios concedidos por César? Ou uma Igreja da cruz?" (ibidem).


2. Sua Pregação

L’Osservatore Romano escreve que em sua experiência em Finkenwalde, Bonhoeffer apresentou uma "inovadora caracterização comunitária", tendo como base de seu pensamento as obras "Discipulado" (1937) e "Vida em Comunhão" (1939).


2.1 Cristo Encarnado na Palavra

Em outubro de 1933, em seu primeiro sermão em sua congregação em Londres, Bonhoeffer define o que é a pregação da Palavra, que é único e totalmente diferente de qualquer discurso:


Quando um pregador abre sua Bíblia e interpreta a Palavra de Deus, um mistério acontece, um milagre: a graça de Deus, que desce do céu em nosso meio e fala conosco, bate à nossa porta, faz perguntas, nos adverte, coloca pressão sobre nós, nos alarma, nos ameaça e nos faz alegres novamente e livres e seguros. Quando as Sagradas Escrituras são trazidas à vida em uma igreja, o Espírito Santo desce do trono eterno, em nossos corações, enquanto o mundo ocupado lá fora não vê nada e não sabe nada sobre isso ¬ que Deus pode realmente ser encontrado aqui. (apud, 2020, p.372)


Essa graça que desce do céu, é o próprio Cristo que fala aos nossos corações por meio da pregação. Um sermão não é um discurso. Para Bonhoeffer, um sermão era o próprio Deus em Cristo, "imediatamente presente, dirigindo-se aos ouvintes e chamando pela fé". (ibidem). Para ele, a Igreja banalizou o sermão e a proposta da pregação: "Preferimos tranquilidade e edificação à santa inquietação do poderoso Senhor Deus, porque continuamos achando que temos Deus em nosso poder, em vez de permitir que Deus tenha poder sobre nós...", em seguida diz que "nós mesmos não queremos acreditar que Deus está realmente aqui entre nós, agora mesmo, exigindo que nos entreguemos, na vida e na morte, no coração, alma e corpo". (ibidem, p.372-373).

Este sermão deriva de sua mensagem de 2Coríntios 5:20, "Somos, portanto, embaixadores de Cristo". Ele alerta para a precariedade de mensagem que falem de valores eternos, tendo, portanto, um certo costume em se falar de coisas passageiras. Deus, através do pregador, emite seu chamado pelo qual devemos ser reconciliados. Clements diz que sob esse entendimento [de sermos embaixadores] da pregação, existe uma cristologia muito luterana e encarnacional. Em uma de suas conferências sobre homilética, Bonhoeffer afirma:


O sermão deriva da encarnação de Jesus Cristo e é determinado pela encarnação de Jesus Cristo. Não deriva de alguma verdade universal ou experiência emocional. A palavra do sermão é o Cristo encarnado. O Cristo encarnado é Deus. Daí o sermão é realmente Cristo. Deus como ser humano. Cristo como a palavra. Como a Palavra, Cristo caminha pela comunidade da igreja". (apud, p.373)


2.2 As 3 consequências da pregação

Primeiro: a principal tarefa da pregação é a busca da obediência de seus ouvintes. Para ele, o problema da situação histórica não era resolvida por uma pregação contra o Nazismo/Hitler ou algo do tipo, era na verdade, um problema dos próprios seres humanos e do pecado. Em seus sermões, dificilmente Bonhoeffer citava diretamente o contexto social e político; não era encontrado denúncias explícitas a Hitler. Sua real preocupação era com seu público e tinha como responsabilidade alertá-los à obediência neste difícil contexto.

Segundo: o uso contido e disciplinado de "ilustrações". Ele não as evitada totalmente, contudo acreditava que os muitos exemplos heroicos extraordinariamente santas do passado poderiam distrair; nas palavras de Clements: as ilustrações "podem sutilmente desmoralizar e desvalorizar os ouvintes que são levados a sentir que estão sendo apresentados a um nível de cristianismo além do alcance das pessoas comuns, ou pelo menos tão distantes de sua própria situação de vida, que chega a ser irreal." (p.377)

Terceiro: não cair no moralismo; "O pregador moralizante tende a elevar-se acima do pecado desafiador. Encontramos Bonhoeffer atacando o orgulho, a vaidade, a hipocrisia, a injustiça e a indiferença; ele reconhece o pecado e está disposto a chamar as pessoas ao arrependimento. Caracteristicamente, quando se fala da condição humana, ele fala na primeira pessoa do plural, dizendo "nós" em vez de "eles" ou "você". Isso era consistente com sua observação a um amigo suíço: " Somos os únicos a ser convertidos, não Hitler"." (p.378).


Conclusão

Resumindo a obra de sua vida, quero destacar a fala da Keith W. Clements:


"Bonhoeffer é mais conhecido como um teólogo radical, um defensor sincero da Igreja Confessante na Alemanha nazista, ativista do movimento ecumênico pela paz e corajoso participante da resistência política a Hitller. Foi esse comprometimento que acabou por custar-lhe a vida. Como pregador, desde seus dias de estudante até o final de sua vida, levou a sério a pregação como alguém a quem foi confiado um ministério para carregar sua cruz" (p. 369).



Referências Bibliográficas


CLEMENTS, Keith W. A História da Pregação Cristã: A vida, teologia e método dos maiores pregadores da História. V. 2. Thomas Nelson. Rio de Janeiro, 2020. p.369-386;

LIMA, Maria Jandira C. N. Uma Mística Militante: reflexão sobre as possíveis contribuições de Dietrich Bonhoeffer para uma teologia e pastoral de integração na Igreja Batista brasileira. PUC. Rio de Janeiro, 2008;

ROMANO, L’Osservatore. Dietrich Bonhoeffer, mártir do nosso tempo. Instituto Humanitas Unisinos. 2021: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/608255-dietrich-bonhoeffer-martir-do-nosso-tempo.

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