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Gálatas 3 - Justificados pela fé

Atualizado: 9 de fev. de 2023


O capítulo 3 de Gálatas é um dos mais fascinantes e complexos dentro da teologia paulina. O apóstolo, ao decorrer do capítulo, faz um paralelo entre Abraão e Moisés, o que depois, desenvolve seu argumento entre a promessa e a Lei. Tudo isto era para afirmar que justificados são aqueles que se apegam a promessa e não a Lei. Contudo, há uma aparente contradição: Paulo usa o livro de Moisés para dizer que "viverá quem observa os preceitos da lei" (v.12), enquanto no verso anterior, usa o profeta Habacuque para fundamentar seu argumento central: "o justo viverá pela fé" (v.11). Nesta ideia, há um fator que define e resolve esta aparente contradição: a natureza humana.

Vamos à exposição do texto.


(v.1-4) "Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Jesus Cristo não lhes foi explicado tão claramente como se tivessem visto com os próprios olhos a morte dele na cruz? Deixem-me perguntar apenas uma coisa: vocês receberam o Espírito porque obedeceram à lei ou porque creram na mensagem que ouviram? Será que perderam o juízo? Tendo começado no Espírito, por que agora procuram tornar-se perfeitos por seus próprios esforços? Será que foi à toa que passaram por tantos sofrimentos? É claro que não foi à toa!"


"Quanta insensatez!" O apóstolo se irritou com o retrocesso dos gálatas. "Tendo começado bem, como poderiam a esta altura aceitarem com tamanha facilidade esse ensino totalmente contrário do que eu preguei?" Imagino o apóstolo furioso como um pai que acaba de ensinar ao filho que não pode colocar o dedo na tomada, e logo em seguida percebe a criança aos prantos por ter tomado um choque. Ao mesmo tempo que este pai passa a ensinar novamente o porquê de não poder colocar o dedo na tomada. Para Paulo, isso só poderia ter acontecido através de um feitiço, obviamente não literal, mas ele usa essa expressão para com os gálatas no sentido de que os olhos deles estavam abertos para o evangelho, como se vissem o próprio Cristo crucificado, mas é como se eles estivessem esquecido.

O Espírito Santo é derramado sobre nós quando cremos na mensagem do Evangelho. Mas os gálatas, tendo começado certo, buscaram o aperfeiçoamento, ou seja, o desenvolvimento da salvação (Fl 2:12) pelas obras da lei. Ao passo que recebemos o Espírito por crer na Mensagem, nos desenvolvemos pelo mesmo Espírito que recebemos. "Próprios esforços", aqui traduzido também como "carne", quer dizer que os gentios estavam deixando se levar pelos falsos mestres judaizantes de que necessitariam se circuncisar, isto é, tornarem-se judeus antes de serem de fato cristãos.

Insensatez participar de sofrimentos em vão. Os gentios passaram por perseguições quando se tornaram cristãos e, com o propósito de não sofrerem mais, estes se amoldaram ao ensino das obras da Lei para justificação. Contudo, nossa motivação deve ser o Reino de Deus e seu futuro descanso pleno, e não nosso conforto enquanto vivemos aqui.


(v.5-9) "Volto a perguntar: acaso aquele que lhes deu o Espírito e realizou milagres entre vocês agiu assim porque vocês obedeceram à lei ou porque creram na mensagem que ouviram? Da mesma forma, “Abraão creu em Deus, e assim foi considerado justo”. Logo, os verdadeiros filhos de Abraão são aqueles que creem. As Escrituras previram esse tempo em que Deus declararia os gentios justos por meio da fé. Ele anunciou essas boas-novas a Abraão há muito tempo, quando disse: “Todas as nações da terra serão abençoadas por seu intermédio”. Portanto, todos os que creem participam da mesma bênção que Abraão recebeu por crer."


O mestre dos judaizantes é Moisés, todavia, Paulo volta um pouco no tempo para explicitar a justificação de Abraão, patriarca do povo hebreu. O argumento de Paulo é que o Espírito de Deus passou a habitar nos gálatas porque creram na mensagem do evangelho, e não porque obedeceram à lei. Pois é explícito que o Espírito realizou milagres no meio deles antes deles ouvirem sobre esses ensinamentos judaizantes. Abraão foi considerado justo porque creu na promessa, logo, os que creem nas bênçãos do evangelho são filhos de Abraão. O apóstolo Paulo inclui os gentios no evangelho quando diz que Deus anunciou a Abraão que todas as nações da terra seriam abençoadas por seu intermédio. Ora, se são todas as nações, isto inclui tanto judeus como gentios, com isto, não é necessário o gentio se tornar judeu (circuncisão) para ser salvo, pois Abraão foi salvo quando creu, e isto foi antes de se circuncidar. (Acompanhar a cronologia de Gênesis 12 ao 17 e ler Romanos 4, especificamente o versículo 10). Os gentios participam das bênçãos de Abraão pois creem.

Haviam duas interpretações rabínicas acerca do papel de Abraão: (1) de que Abraão foi considerado justo quando mostrou fidelidade a Deus quando foi testado, isto é, por seu mérito; (2) que sua fé está ligada a circuncisão, mostrando que isto o deixa favorável diante de Deus. O apóstolo sustenta sua refutação, contudo, iniciado neste capítulo, com um argumento bíblico veterotestamentário, usando a própria história da lei e do povo israelita.


(v.10-12) "Contudo, os que confiam na lei para serem declarados justos estão sob maldição, pois as Escrituras dizem: “Maldito quem não se mantiver obediente a tudo que está escrito no Livro da Lei”. É evidente, portanto, que ninguém pode ser declarado justo diante de Deus pela lei. Pois as Escrituras dizem: “O justo viverá pela fé”. A lei, porém, não é baseada na fé, pois diz: “Quem obedece à lei viverá por ela”."


Aqui se inicia a questão da aparente contradição. Por que aparente? Porque segundo a interpretação rabínica, são justos os que são fiéis à lei de Moisés, como o apóstolo disse citando Deuteronômio 27:26: "Maldito quem não se mantiver obediente a tudo que está escrito no Livro da Lei" e porque, também, são justos os que têm fé, citando Habacuque 2:4. Todavia, Paulo imediatamente desconstrói a aparente contradição dos versos veterotestamentário, afirmando que é evidente que ninguém pode ser declarado justo com base na lei, e por que? Porque o apóstolo Paulo tinha consciência da natureza caída da humanidade. Ele diz que "os que confiam na lei estão sob maldição", e não "os que não conseguem cumprir a lei estão sob maldição", visto que, Cristo veio justamente porque não havia um justo sequer (Sl 14:1-3; Sl 53:1-3; Rm 3:1-13), ou seja, todos já estavam debaixo de maldição por não conseguirem cumprir as exigências da lei. A natureza humana é rebelde quanto a instrução do Senhor, fazendo com que ao menos tentássemos cumpri-la, não poderíamos. Este é o fator que resolve esta aparente contradição. Lutero certa vez disse: "Pensando cumprir a lei, [o executor da lei] não a cumpre". Assim, o único caminho para ser justo é pela fé naquele que cumpriu a lei de Deus, Jesus Cristo.


(v.13-14) "Mas Cristo nos resgatou da maldição pronunciada pela lei tomando sobre si a maldição por nossas ofensas. Pois as Escrituras dizem: “Maldito todo aquele que é pendurado num madeiro”. Por meio de Cristo Jesus, os gentios foram abençoados com a mesma bênção de Abraão, para que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido."


Jesus se colocou como maldito por obediência ao Pai e por amor a nós, respectivamente. Paulo quis passar para os Gálatas que não há acréscimos na mensagem do Evangelho, não é possível se tornar mais justos por simplesmente se circuncidar. Não é o se tornar judeu que os gentios se tornariam aceitos por Deus, mas a fé na obra de Cristo. Ofendemos a santidade de Deus e o desobedecemos, e para nós, restava apenas maldição e condenação. Deus decidiu não imputar sobre os que creem a consequência eterna do pecado, pois ama Sua criação. Desde Abraão, Deus Pai já prometera abençoar todas as famílias da terra, e esta bênção só é possível quando cremos que Jesus nos resgatou se colocando em nosso lugar. Deus nos imputou como justos e nos concedeu o Espírito prometido por meio da fé em Cristo Jesus, nos livrando da maldição proveniente do não cumprimento da lei.


(v.15-18) "Irmãos, apresento-lhes um exemplo da vida diária. Ninguém pode anular ou fazer acréscimos a uma aliança irrevogável. Pois bem, Deus fez a promessa a Abraão e a seu descendente. Observem que as Escrituras não dizem “a seus descendentes”, como se fosse uma referência a muitos, mas sim “a seu descendente”, isto é, Cristo. É isto que quero dizer: a lei, que veio 430 anos depois, não pode anular a aliança que Deus estabeleceu com Abraão, pois nesse caso a promessa seria quebrada. Portanto, se a herança pudesse ser recebida pela obediência à lei, ela não viria pela aceitação da promessa. No entanto, Deus, em sua bondade, a concedeu a Abraão como promessa."


Há três interpretações excelentes do apóstolo Paulo. Primeiro que, se uma aliança é irrevogável, não pode ser anulada. Portanto, se Deus prometeu, Ele não volta atrás. A aliança com Abraão é mediante ao que Deus prometeu e não ao que Abraão fez. A base da aliança era a promessa a Abraão e a sua descendência. Paulo, no entanto, descreve que a condição da aliança estava em apenas crer na promessa, foi nisto que Abraão foi considerado justo. Segundo, Paulo tem a revelação de que Cristo era o herdeiro supremo de toda promessa a Abraão, logo, aqueles que compartilham da natureza de Cristo, são coerdeiros da promessa. Fomos adotados por Deus por meio de Seu Filho Jesus, e portanto, recebemos as bênçãos prometidas a Abraão. Por fim, a lei, como vimos, não anulou a aliança com Abraão pelo fato da lei obter um papel específico de não prometer algo, mas resguardar o povo até a chegada da promessa (veremos nos próximos versos). Com isto, Paulo expôs a bondade de Deus, visto que o Senhor conhecia a miserabilidade da natureza humana, a saber, nossa incapacidade em cumprir algo santíssimo como a Lei. Sendo assim, Deus estabelece para nós as bênçãos da promessa não pela condição de cumprimento da lei, mas por crermos que Deus é fiel a Sua palavra, isto é, ao que prometeu.


(v.19-22) "Qual era, então, o propósito da lei? Ela foi acrescentada à promessa para mostrar às pessoas seus pecados. Mas a lei deveria durar apenas até a vinda do descendente prometido. Por meio de anjos, a lei foi entregue a um mediador. O mediador, porém, só é necessário quando dois ou mais precisam chegar a um acordo, e Deus é um só. Existe, portanto, algum conflito entre a lei e as promessas de Deus? De maneira nenhuma! Se a lei fosse capaz de nos conceder nova vida, seríamos declarados justos pela obediência a ela. Mas as Escrituras afirmam que somos todos prisioneiros do pecado, de modo que nós, os que cremos, recebemos a promessa de libertação apenas pela fé em Jesus Cristo."


O propósito da Lei era expor nossos pecados e mostrar que somos incapazes de sermos aceitos por Deus por nossos méritos. Ela evidenciou nossa natureza caída. Porém a lei serviu até Cristo cumpri-la. A lei foi concedida a um mediador, a saber, Moisés. A lei de Moisés era uma lei de acordo, mediante cumprimento (Ex 19:7-8). Nesta aliança, era necessário o cumprimento de ambas as partes para não sobrevir maldição ao povo. Moisés, um homem de natureza caída era o mediador desta aliança, e Paulo mostra que Cristo, o homem divino, é o mediador de uma nova aliança. O pecado nos impediu de sermos declarados justos pela obediência a lei, o que nos tornou escravos, e recebemos a promessa de liberdade apenas pela fé no que mediou a nova aliança.


(v.23-25) "Antes que o caminho da fé se tornasse disponível, fomos colocados sob a custódia da lei e mantidos sob a sua guarda, até que essa fé fosse revelada. Em outras palavras, a lei foi nosso guardião até a vinda de Cristo; ela nos protegeu até que, por meio da fé, pudéssemos ser declarados justos. Agora que veio o caminho da fé, não precisamos mais da lei como guardião."


A lei teve uma dupla função: [1] expor nossos pecados; [2] ser nosso guardião. Em romanos 7:12, o apóstolo Paulo vai dizer que a lei em si é santa, e santos, justos e bons são seus mandamentos. Esses mandamentos disseram para o povo judeu o que era o correto e, mesmo que eles não cumprissem em sua totalidade, ela serviu para evidenciar a santidade do Senhor. Pela lei, foi mostrado para o mundo que aquele povo era separado. Quando a fé, o que neste sentido revelado é o próprio Cristo, se tornou disponível, todos que passam a crer na mensagem do evangelho são justificados, algo que a lei nunca pôde fazer por conta do pecado. A lei mosaica não nos guarda mais, visto que temos uma lei superior, a saber, a de Cristo. "E, se o sacerdócio muda, também é preciso que a lei mude." (Hebreus 7:12)


(v.26-29) "Pois todos vocês são filhos de Deus por meio da fé em Cristo Jesus. 27 Todos que foram unidos com Cristo no batismo se revestiram de Cristo. 28 Não há mais judeu nem gentio, escravo nem livre, homem nem mulher, pois todos vocês são um em Cristo Jesus. 29 E agora que pertencem a Cristo, são verdadeiros filhos de Abraão, herdeiros dele segundo a promessa de Deus."


Depois do apóstolo fazer uma exposição de sua interpretação da história da promessa e da lei, e sustentar seu argumento baseado na obra de Cristo, ele encerra o capítulo dizendo que tanto judeus quanto gentio são filhos de Deus por meio da fé em Cristo Jesus. O batismo já nos revestiu de Cristo, onde fomos unidos com Ele. Agora, não há nada externo que defina uma pessoa a ser filho de Deus e descendentes herdeiros de Abraão. Por que o uso da palavra externo? Pelo fato de não importar a circuncisão da carne ou não evidenciando que é povo escolhido, ou se posso pedir autorização para um senhor terreno para entrar na presença de Deus, ou se preciso ter tal aparência (homem ou mulher) para se achegar a Deus, pois apenas os homens entravam no Santíssimo Lugar como sacerdotes. Somente em Cristo Jesus somos aceitos por Deus, nos tornando assim, herdeiros da promessa.


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