top of page

Karl Barth: pregando Cristo

Karl Barth (1886-1968) nasceu na Basiléia, Suíça. Foi filho de Fritz Barth, professor de Novo Testamento e História da Igreja na Universidade de Berna, na Suíça. Em 1909, Barth recebeu seu bacharelado, mas sua educação inicial foi dada na Igreja Reformada Suíça.

Contexto histórico

Barth teve uma carreira brilhante como seminarista, e depois de formado, passou a ser assistente em uma paroquia, na Basileia, onde foi o mesmo púlpito em que João Calvino fazia seus sermões. Após essa experiência, em 1911, foi chamado para pastorear uma Igreja em uma remota aldeia suíça de Safenwil.

Suas principais influências no meio acadêmico foram de Adolf von Harnack (1851-1930), Hermann Gunkel (1862-1932), Adolf Schlatter (1862-1938) e Willhem Herrmann (1846-1922). Dessa forma, Barth teve bastante influência da Teologia Liberal, contudo, após a Primeira Grande Guerra Mundial e o apoio público de seus professores ao nacionalismo alemão, Barth se viu indignado e questionou toda "a exegese, ética, dogmática e pregação que ele até então considerava essencialmente confiáveis." (William H. Willimon. História da Pregação, 2020, p.353).

Barth foi um dos principais teólogos do século XX, sendo influência para a segunda metade do século XX. Foi um dos fundadores, senão o principal fundador, da chamada Neo-ortodoxia, que visava combater o método histórico-crítico da Teologia Liberal. Suas maiores obras foram um comentário a Carta aos Romanos e a Dogmática Eclesiástica.

Karl Barth também teve um papel importantíssimo na Igreja Confessante, sendo um dos cabeças junto com Drietrich Bonhoeffer (1906-1945) e Matin Niemoller (1892-1984). A formação da Igreja Confessante se deu por conta da ascensão do Nazismo em 1933 na Alemanha. No Terceiro Reich houve a tentativa por parte do "Movimento Cristão Alemão de transformar a igreja protestante em uma igreja "verdadeiramente alemã". Essa tentativa de fazer a igreja se conformar ao ethos (ética) nazista concentrou-se a em debelar os chamados não arianos (descendentes de judeus) do ofício pastoral." (2020, p.370). A oposição de Karl Barth a esta ideia levou-o a escrever a Declaração Teológica de Barmen em maio de 1934, fundando assim, a Igreja Confessante.


Teologia Liberal¹ e a Neo-Ortodoxia²

Quando decepcionado com a Teologia Liberal, Barth se aprofundou na filosofia de Kierkegaard, mas para entender a Neo-ortodoxia, antes precisamos compreender o motivo pelo qual ela foi pensada, a partir do que foi a Teologia Liberal.

¹No século XIX, os filósofos e pensadores eram influenciados pelo Iluminismo e Racionalismo. Neste período, tudo, inclusive a Bíblia, virou objeto de análise racional. Qualquer área de interesse de estudo foi enquadrado para ser criticada em seu valor histórico e físico. Ou seja, a ciência evoluiu de uma forma tão materialista, que nada que tenha pressupostos para uma compreensão transcendental ou metafísico foi considerado ciência. Portanto, a Bíblia passou a ser interpretada pelo que se chama de análise histórico-crítico, isto é, as Escrituras passam a ser como um livro como outro que pode ser questionado. Com isso, negava-se "a inspiração divina das Escrituras e abalou a confiabilidade desta. O antropocentrismo crescia e a importância das Escrituras era diminuída a meros relatos humanos." (José Elenito Teixeira Morais, Luiz Carlos Ferreira e Renata Ferreira Gomes. Palavra de Deus, na neo-ortodoxia, segundo Karl Barth, 2010, p.70).

Fundamentado no Iluminismo, o liberalismo teológico reagiu contra o poder institucional da Igreja, questionando a infalibilidade das Escrituras. Para a Teologia Liberal, o conhecimento tradicional sobre Deus, baseado de forma metafísica, não estaria conformado com o método científico. No livro Cristianismo e Liberalismo, de J. G. Machem, compara ambos com uma bela declaração:

"O liberalismo representa a fé na humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O primeiro não é sobrenatural, o último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a “rocha de escândalo”, o outro defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio caráter e autoridade de Deus." (2001, p.182)


Os liberais, portanto, passaram a considerar a Bíblia como apenas um livro de moral e ética, invalidando seu conteúdo sobrenatural, alegando que os milagres, histórias como a da criação, o dilúvio, até mesmo a ressureição de Jesus foram acrescentadas pelos apóstolos e os demais escritores da Bíblia. Tudo isto, no entanto, para validar a autoridade da Igreja.


Para eles, a Bíblia era considerada documento humano, cuja validade principal estava em registrar a experiência de pessoas que testemunham a fé em Deus e os valores; também os conceitos que ela trazia podiam ser vistos como culturalmente condicionados e irrelevantes aos tempos modernos. Esse era o motivo pelo qual achavam que a Bíblia deveria ser reinterpretada à luz dessas convicções. (José Elenito Teixeira Morais, Luiz Carlos Ferreira e Renata Ferreira Gomes. 2010, p.71)


²A Neo-Ortodoxia (Nova e Verdadeira Crença), apesar de existir outros pensadores, ficou conhecida também como barthianismo, devido a gigantesca influência de Karl Barth. Esta nova forma de pensar foi uma reação ao liberalismo teológico. Pois, como a forma comum de interpretação bíblica era a liberal, a ortodoxia precisava ser resgatada, por isso o termo Neo, como se novamente precisava-se pensar o verdadeiro modo de fazer teologia.

No ano de 1919, Barth publicou seu comentário da Carta aos Romanos. Criou-se um alvoroço no meio acadêmico, pois foi ali que Karl Barth fundamentou o pensamento Neo-ortodoxo.


Neste livro, Barth formulou vigoroso protesto não apenas contra a teologia contemporânea, mas contra toda a tradição que se vinha formando desde Schleiermacher e que fundamentava o cristianismo na experiência humana. A Carta aos Romanos foi também um protesto contra aquelas escolas que tinham transformado a teologia em ciência da religião e tinham apresentado a análise histórico-crítica da Bíblia como a única interpretação possível. [...] Como fez ver claramente na Carta aos Romanos, Barth pretendia substituir a interpretação meramente filológica e histórica com uma exposição ‘dialética’ mais profunda do próprio material bíblico. Encontrou exemplos principalmente nos clássicos da tradição cristã, como, por exemplo, em Lutero e Calvino. A interpretação da Bíblia de Barth, entretanto, não é mera cópia da obra dos reformadores; a dialética que encontrou na Bíblia não é, como acontece com Lutero, o contraste entre a ira e a graça de Deus, entre o pecado do homem e a justiça providenciada por Deus; é antes o contraste fundamental entre eternidade e tempo, entre Deus como Deus e o homem como homem. (Hagglund. História da Teologia, 1995, p.343-345))


Barth, então, afirmava que Deus é o 'totalmente Outro', de forma que só é possível se pensar teologicamente se Deus vir ao encontro do ser humano. Deus está completamente separado do homem no sentido de que o ser humano não alcança o conhecimento de Deus a não ser que Deus se apresente. Apenas pela graça de Deus que é possível exercer qualquer função "porque Deus em Cristo é implacavelmente revelador, comunicativo e determinado a estar em relação com suas criaturas." (William H. Willimon, 2020, p.353). Barth dizia que a Teologia é a autorrevelação objetiva de Deus, e não a revelação de forma subjetiva. Willimon explica o pensamento barthiano dizendo que a "fé é aquilo que nos chega como um endereço externo, não como uma expressão de nossa interioridade." (2020, p.355). Dessa forma, o problema entre nós e Deus foi resolvido pelo próprio Deus em Cristo Jesus, e não há nada que se possa fazer, longe de Cristo, que lhe faça conhecer ao Deus triuno.

Pintura de Matthis Grunewald "Retábulo de Issenheim": como Karl Barth, a pintura mostra João Batista apontando para o Cordeiro que tira o pecado do mundo.


Conclusão

A crise cultural que surgiu com a Primeira Guerra Mundial foi o impulsionador da neo-ortodoxia. Barth colocou em cheque a Teologia Liberal pelo fato dela não responder e ser insuficiente para explicar tamanhas crises humanas e existenciais. Ora, se o liberalismo colocava sua esperança na capacidade racional do homem para resolver os problemas sociais, como explicar estas crises humanitárias do período das Grandes Guerras; o progresso do liberalismo, portanto, falhou miseravelmente em colocar sua expectativa no racionalismo como fonte de sucesso humano.

Barth tentou, em contrapartida, pensar sobre o conhecimento de Deus sem um auxílio filosófico. Sua premissa teológica foi dizer que “a possibilidade do conhecimento de Deus encontra-se na Palavra de Deus e em nenhum outro lugar”. E continua: “O Deus eterno deve ser conhecido em Jesus Cristo e não em outro lugar” (Karl Barth. Palavra de Deus, palavra do homem, 2004, p.42). Ademais, o fundamento do pensamento de Barth é a proclamação, ao passo que rejeita a análise histórico-crítica como sendo focada em questões periféricas, não dando tanta importância para o transcendente e os anseios da alma, como a morte espiritual, por exemplo. Com isso, "Barth rejeita qualquer modalidade de teologia natural. Para ele, Deus não pode ser conhecido pela capacidade da razão humana, nem se revela na natureza ou na história." (José Elenito Teixeira Morais, Luiz Carlos Ferreira e Renata Ferreira Gomes. 2010, p.73).

O que se aprende com Karl Barth é a humildade de sermos apenas ouvintes da voz de Deus e nada termos a oferecer, senão nossas vidas.


Referências Bibliográficas


BARTH, Karl. Palavra de Deus, palavra do homem. São Paulo: Novo Século, 2004;

CLEMENT, Keith W.; WILLIMON, William H. História da pregação: a vida, teologia e método dos maiores pregadores da História. Do iluminismo aos dias atuais. V. 2. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020, p.349-386;

FERREIRA, Franklin. Karl Barth: uma introdução á sua carreira e aos principais temas de sua teologia. Fides Reformata, VIII. N°1, (2003):29-62;

FERREIRA, Luiz Carlos; GOMES, Renata Ferreira; MORAIS, José Elenito Teixeira. Palavra de Deus, na neo-ortodoxia, segundo Karl Barth. Revista de Cultura Teológica - v. 18 - n. 70 - ABR/JUN 2010, p.69-75;

HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1995.




Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2 Post
bottom of page