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Tomás de Aquino e as cinco vias

Este texto é na verdade meu artigo publicado da disciplina Fé e Razão do mestrado STEBAN. Espero que sejam edificados e compreendam que em relação à discussão sobre a existência de Deus existem argumentos tradicionais que dialogam com a ciência, sendo este não o único.


Introdução

São Tomás de Aquino (1225-1274), o monge dominicano, foi um dos mais proeminentes filósofos da chamada Baixa Idade Média. Foi o principal pensador da Escolástica e influenciou a filosofia medieval com suas duas grandes obras: Suma teológica e a Suma contra os gentios. Tomás buscou fundamentar seus argumentos da existência de Deus no aristotelismo, contudo, suas traduções e interpretações da obra de Aristóteles se deu como uma espécie de apologética, isto porque o mundo árabe buscava se orientar por meio das obras de Aristóteles. E é aí que entra a leitura tomista na filosofia aristotélica. O argumento das 5 vias fundamenta-se no conceito aristotélico do Primeiro Motor Imóvel que, buscando os efeitos sensíveis do mundo como evidências, encontra-se a causa eficiente de origem de tudo. Tomás, através das 5 vias, faz uma releitura do argumento de Aristóteles para a ideia de que esta causa é Deus. Todavia, mesmo que o argumento de Tomás parta do efeito para a busca da causa, ainda assim, há o pressuposto de que Deus existe, viabilizando uma convergência entre fé e razão. Portanto, a ideia de se chegar ao transcedente por meio da razão é incompleta sem a fé.

Diferentemente, portanto, do que se conclui no senso comum – que a religião não oferece evidências suficientes para o que afirma –, a fé tem um papel fundamental para se fazer ciência, sobretudo pensar filosoficamente. Alister McGrath afirma, baseando-se em Max Planck, que “a fé desempenha um papel crítico nas ciências naturais, [...]” e que “uma crença não comprovada na unidade fundamental dos fenômenos fornece motivação e justificativa para o empreendimento científico” (2020, p.155). São Tomás, por conseguinte, utiliza da ciência e da religião para dar suporte racional a sua argumentação, visto que o monge engaja-se na realidade empírica da filosofia, por meio do que Thomas H. Huxley chamava de “o único ato de fé” de um convertido à ciência, que é confessar a Lei da Causalidade. (apud McGrath, 2020, p.156).

Desta forma, analisa-se neste artigo a relação de Tomás de Aquino com os pensamentos aristotélicos, como o argumentos dos movimentos, ato e potência, e ainda com seus próprios argumentos em relação a comprovação da existência de Deus, ou seja, as cinco vias, que são: O Motor Imóvel, A Causa Eficiente, Ser Necessário, Ser Perfeito e por último, Inteligência Ordenadora.


1 - Pensamento Tomista - Aristotélico

Na obra Suma Teológica, Tomás explora o argumento metafísico de Aristóteles para elaborar suas ideias da existência de Deus, isto é, as cinco vias. Entretanto, o tomismo se dá em um período de profunda crise teórica durante o século XIII por conta do pensamento averroista [1 - conceito ao final da pág.], que de alguma forma separou a religião da filosofia. Neste contexto, São Tomás promove o pensamento aristotélico de uma forma que inclui a fé, a saber, que Deus existe.

Desta forma, aprofundando-se no pensamento de Aristóteles, Aquino percebe que o mundo está em constante movimento, e tudo que se move está essencialmente em duas formas: ato e potência. O ato é o que existe no presente, como por exemplo, uma semente que no momento é uma semente em ato. A potência é o que pode se tornar no futuro, como no caso da semente, que é uma potencial árvore. A semente ainda não se configura como árvore, mas ela é uma árvore em potência. Tudo indica que a partir do movimento das coisas, a semente se tornará uma árvore. O movimento, portanto, é o que transforma a potência em ato. Assim, tudo o que é movido está em potência e tudo que move é um ato. Observa-se, então, que os movimentos são evidentes aos sentidos, todavia, tudo que é movido, se move por outro. Logo, Tomás de Aquino parte de um ato, voltando-se ao movimento que gerou aquele ato em análise, regredindo até se chegar a potência do ato anterior. Esse pensamento é chamado de Regressão Causal, ou seja, o filósofo parte de um ponto específico e avalia os pontos anteriores àquele ponto específico, se chegando até a causa de todos os pontos. A partir da causalidade, Aquino chega a sua conclusão de Deus ser a causa de tudo que existe, e portanto partindo de um método racional demonstrativo.


2 - O argumento das vias

A definição das cinco vias é, segundo Sávio Campos, individual. Ou seja, cada via apresenta um modo distinto de se chegar a causa. Em suas próprias palavras: “Na verdade, as cincovias são cinco modos de se chegar a um mesmo lugar: o efeito existe; logo, existe a causa. São cinco vias, mas uma prova. Cinco vias que fundamentam uma única prova.” (2016, p.42). São Tomás de Aquino “acreditava que era inteiramente apropriado identificar indicadores da existência de Deus, extraídos da experiência humana geral do mundo.” (McGrath, 2020, p.160), sendo assim, a demonstração da racionalidade da crença em Deus como causador de todas as coisas é explicado por São Tomás de forma retrospectiva em relação às experiências do mundo. Supõe-se, portanto, que as cinco vias é o argumento demonstrativo sobre a ordem do mundo, tal qual evidencia convincentemente de que Deus imprimiu algo de sua própria imagem na forma como o mundo se movimenta.


2.1 - O Motor Imóvel ou “argumento do movimento”

Retomando ao argumento anterior dos movimentos, a primeira via está implicadamente ligada à dinamicidade do mundo, a saber, sua causalidade retrospectiva. Pelo fato do mundo não ser estático, mas estar em constante movimento, o primeiro argumento aborda as causas anteriores de cada efeito no mundo. Se cada efeito há uma causa, estas causas, portanto, são motores que movimentam a potência para o ato. Contudo, cada efeito é movido por uma causa, que é maior que seus efeitos. Em uma série de causas e efeitos vistos de modo regressivo, percebe-se que cada efeito só existe por um motor anterior, isto é, a causa. Os motores, de igual modo, não movem-se sem ao menos que outro motor o mova. Tomás argumenta, portanto, que o mundo como o conhecemos só é movido por uma série causal, ou seja, motores que são movidos por uma dinâmica de causa e efeito. Todavia, a menos que exista um número de causas infinitas, o argumento de uma causa das causas seria inválido, e portanto, cairia em desuso, mas a ideia do Primeiro Motor é logicamente a mais convincente pelo fato de nenhum motor poder mover a si mesmo, e portanto ser impossível regredir ao infinito, a menos que exista um motor autosuficiente. Savio Campos argumenta que:


Ora, em não havendo um primeiro motor, não haveria, tampouco, um segundo, haja vista que, já que nada pode mover a si mesmo, o segundo motor só se move em virtude do primeiro. Desta sorte, sem um primeiro motor, não poderia haver qualquer outro, “(...) pois os motores segundos só se movem pela moção do primeiro motor”. Portanto, a hipótese de que não haja um primeiro motor, equivale à negação do próprio movimento. Porém, sendo evidente a sua existência, patenteada pelos nossos sentidos, ele (o movimento) não pode ser negado, sem que se caia no absurdo. Desta feita, a única forma de se explicar o movimento, é estabelecendo a existência de um primeiro motor. Este, precisamente por ser o primeiro, é imóvel, uma vez que, se se movesse, seria movido por outro e já não seria o primeiro, posto que nada pode mover a si mesmo. Ora, este primeiro motor imóvel corresponde justamente àquilo a que todos chamam Deus. (2016, p.3)


2.2 - Causa Eficiente

Uma causa sempre depende de uma outra para existir, de modo que nenhuma causa é eficiente por si mesma. Ou seja, um efeito sempre é menor que sua causa, logo, para uma causa existir precisou existir uma outra causa antes dela. Aqui, admite-se uma causa primeira, já que seria impossível retroceder indefinidamente, ad infinitum, pelo fato de cada causa precisar de uma anterior. Esta causa primeira é incausada, necessita-se ser superior e eficiente por si mesmo em relação a todas as causas.


2.3 - Ser Necessário

Os seres humanos são seres que não se criam sozinhos, de forma que é necessário uma série de causas para que um ser humano venha a existir. Sendo assim, existem o ser possível e o necessário. O possível, como o nome diz, pode ser ou não ser, diferindo-se do ser necessário. Se pode não ser, logo, é insuficiente em si mesmo. Se algo pode ser possível, houve algum momento em que o possível poderia não existir, já que possivelmente este algo aconteça ou não. Savio Campos diz que “o que não é não pode vir a ser senão pelo que é” (2016, p.6). Portanto, a possibilidade de existir é um efeito daquilo que é. Logo, tudo aquilo que existe e poderia não existir é efeito de algo que não poderia não existir, senão nada existiria, visto que para existir algo é preciso de um ser necessário e não possível.



2.4 - Ser Perfeito

Esta via argumenta sobre valores humanos, sobre a existência do bom e mau, daquilo que é nobre e do verdadeiro. Se as sociedades se comunicam através de valores morais, existe algo que definiu o bom, nobre e o verdadeiro. Se nas ideias humanas no que diz respeito a valores há certos graus, há, então, valores absolutos e supremos. Este ser perfeitíssimo em seus valores e fonte para todos os graus de bondade, nobreza e verdade, segundo Tomás é chamado de Deus.


2.5 - Inteligência Ordenadora

Para Alister McGrath “as coisas não existem simplesmente; elas parecem ter sido projetadas com alguma forma de propósito em mente” (2020, p.163). Tomás conclui que tudo indica na natureza e na ordem do mundo que aparentemente se caminha para uma meta. Observa-se que o propósito de tudo que existe se dá para um fim, salvo corpos físicos destituídos de conhecimento – a menos que sejam direcionados por algo que tenha intenção. Nas próprias palavras de Tomás:


Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus. (apud Campos, 2016, p.9)


Considerações finais

Cada via tem uma estrutura semelhante de causa e efeito. McGrath define como um rastreamento de uma sequência causal regredindo a sua origem única e convergindo-a com Deus (2020, p.163). São Tomás de Aquino fundamenta-se, portanto, na experiência do mundo sensível e no princípio da causalidade por meio do empirismo. Basicamente, Aquino, em sua demonstração das cinco vias, atribui aos efeitos sua origem em Deus pelo fato da semelhança em que tudo no mundo se direciona e converge. E como a lógica exige a demonstração racional e sensível, as cinco vias tem isso em comum, afirmando-se nas evidências que o mundo sugere para aqueles que o observa e buscam encontrar por meio da razão a explicação da fé.



NOTAS:

[1]O averroismo foi um movimento ligado a figura de Averróis, um filósofo árabe que promoveu o pensamento aristotélico pela Europa, interpretando-a de maneira hostil a ortodoxia católica. Esta doutrina, inclusive, foi duas vezes condenada pela Igreja (1240 e 1513). Definições de Oxford Languages.





Referências

CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As provas da existência de Deus em Tomás de Aquino. 1.ed. – Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2016.

MCGRATH, Alister. Ciência e Religião: fundamentos para o diálogo. 1.ed. – Rio de Janeiro: Tomas Nelson Brasil, 2020.


Artigos online

CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As cinco vias para se demonstrar a existência de Deus em Tomás de Aquino. Mato Grosso: Universidade Federal de Mato Grosso, 2016. Disponível em: https://apologeticacatolicasite.files.wordpress.com/2016/07/cinco_vias.pdf. Acesso em: 16/12/2022.

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